Cooperação do Cosemssp com entidades privadas lucrativas e sem fins lucrativas. Possibilidades e limites à luz do Estatuto Social.
14/ago/2024Por Lenir Santos
NOTA TÉCNICA n.41/2024
REQUERENTE:Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (COSEMSSP).
Assunto: Cooperação do Cosemssp com entidades privadas lucrativas e sem fins lucrativas. Possibilidades e limites à luz do Estatuto Social.
O Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo – COSEMSSP consulta este Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA quanto às possibilidades e aos limites da cooperação com o setor privado, com ou sem fins econômicos, por ser frequente o patrocínio privado no financiamento dos congressos anuais, realizados há mais de três décadas, para o intercâmbio de informações e experiências entre os municípios paulistas no âmbito do SUS.
Em acordo ao Cosemssp, esse patrocínio tem regras específicas e sempre se pautaram pelo seu Estatuto Social, o que o torna restrito à locação de espaços físicos dentro do congresso para exposições dos produtos e serviços dos patrocinadores, nas modalidades prata, ouro e diamante em acordo ao tamanho do espaço locado, sendo ainda facultado ao patrocinador a realização de simpósio durante o congresso em consonância à sua temática anual e que somente pode ocorrer em seus próprios espaços ou naqueles previamente definidos pelos organizadores do congresso previamente.
Ocorre que, conforme expõe o Cosemssp em sua consulta, tem sido solicitado pelas empresas interessadas, a ampliação do escopo do patrocínio, como exemplo, para a publicização nos espaços de mídia do Cosemssp – destinados exclusivamente à divulgação de suas próprias atividades estatutárias – de seus produtos e serviços, o que ultrapassaria a esfera do congresso anual.
Além do mais, esclarece o Cosemssp, ter sido frequente a busca pelo setor privado em geral, com ou sem fins lucrativos, de parcerias remuneradas, como exemplo: (i) divulgação de propaganda sobre seus equipamentos, insumos e serviços para as secretarias municipais de saúde do Estado de São Paulo, através do e-mails do próprio Cosemssp; (ii) realização de cursos, palestras, simpósios, congressos sobre temas de interesse da saúde, mas sob a ótica da empresa requerente; (iii) oferta de patrocínio de refeições, infraestrutura, espaço físico para o apoio às reuniões regimentais da Diretoria e do Conselho de Representantes Regionais; (iv) acesso a seu banco de dados.
Esclarece ainda que como contrapartida do patrocínio do congresso anual, tem sido requerido acesso aos e-mails dos inscritos no congresso anual do Cosemssp, bem como dos 645 secretários municipais de saúde do estado, como contrapartida do patrocínio.
As questões postas pelo Cosemssp – tanto as que ser referem ao patrocínio do congresso como as de cunho geral, conforme acima mencionado – devem ser analisadas à luz do seu Estatuto Social, norma que pauta todas as suas atividades, serviços, ações, não sendo permitido atuar além desses limites. O estatuto social de uma entidade é a sua lei principal e rege suas atividades e a conduta de seus dirigentes.
Analisando a consulta do Cosemssp, em acordo às suas finalidades e objetivos estatutários, além das normas públicas a que estão sujeitos todos os Cosems, em decorrência da Lei n° 12.466, de 2011, que reconheceu a legalidade desses conselhos dada a sua atuação interfederativa no Sistema Único de Saúde, o que lhes permite o recebimento de recursos públicos para o financiamento de suas atividades estatutárias.
O Estatuto Social do Cosemssp (2020) define a sua finalidade como a de congregar os secretários municipais de saúde para o efetivo intercâmbio de informações e experiências e de apoiar o encaminhamento de soluções para as questões da saúde de interesse local, regional e estadual, reconhecida a entidade como representativa dos entes municipais do Estado de São Paulo nos fóruns de pactuação estadual e nacional, nos termos da lei regente, no âmbito do SUS.
Seus objetivos estatutários são:
I - Congregar os dirigentes dos sistemas municipais de saúde e representar os Municípios nas instâncias do SUS;
II - Representar os gestores municipais de saúde nas instâncias intergestores estaduais bipartite;
III - Apoiar o fortalecimento das Comissões Intergestores Regionais (CIR); I
IV - Manter intercâmbio com associações congêneres de outros Estados;
V - Ajudar os Municípios a se estruturarem técnica e administrativamente, visando cumprir a sua competência prevista na Constituição da República e na legislação específica;
VI - Transmitir aos Municípios informações que possibilitem a obtenção de recursos técnicos e financeiros para o adequado funcionamento dos serviços e ações de saúde a seu cargo;
VII - Favorecer a participação popular no controle e acompanhamento dos serviços locais de saúde;
VIII - Lutar pela efetiva descentralização das ações e serviços de saúde e sua regionalização, exigindo o respeito à autonomia municipal; I
IX - Lutar pela municipalização e pelo fortalecimento da gestão municipal no sistema nacional de saúde, apoiando as Prefeituras Municipais;
X - Contribuir para a participação do Poder Público Municipal nas instâncias estadual e nacional de saúde; e
XI - Promover Congressos, Encontros, Seminários e outras reuniões para intercâmbio de experiências e aprofundamento das relações entre os Municípios.
Todos os seus objetivos estão em consonância às suas finalidades (e nem poderia ser de outro modo), desmembradas em atividades específicas, como a representação dos secretários municipais de saúde na Comissão Intergestores Bipartite (CIB) e nas demais instâncias estaduais e nacional do SUS; a de realizar congressos, seminários, encontros, dentre outros.
A realização dos congressos anuais do Cosemssp, que se encontra em sua 37° edição, enfrenta agora a questão de seu patrocínio por entidades privadas em relação as contrapartidas que devem estar em acordo as suas normas estatutárias para que seus dirigentes não venham ferir a ética e a conduta em conformidade a essas finalidades.
O fim precípuo do Cosemssp é representar institucionalmente os municípios paulistas nos fóruns competentes, especialmente nas comissões intergestores bipartite e tripartite, nos termos da Lei n° 12.466, de 2011, como ainda a de congregar todas as secretarias municipais de saúde do Estado, para debater, discutir e aprovar a operacionalidade, a execução das políticas nacionais e estaduais de saúde, com a lei supra citada lhe conferindo poderes de representatividade institucional. Tanto isso é fato que a própria lei permitiu o apoio financeiro para o exercício dessa função pública pelos cofres públicos.
Desse modo, todas as suas atividades decorrem desse seu papel de representatividade e de congregação institucional, com trocas de experiências, apoio técnico sanitário, divulgação de informações e outros correlatos. Assim a atuação de seus dirigentes devem estar em conformidade ao seu Estatuto Social e aos ditames da lei regente. Quaisquer atividades, ação, serviço que extrapolem esses limites podem ser considerados irregulares por estarem em desconformidade às finalidades e objetivos estatutários.
Em relação ao apoio de entidade privada interessada no financiamento do congresso anual, que deve ser regulada e aprovada previamente pelo corpo dirigente do Cosemssp, sempre em acordo ao seu Código de Ética, Conduta e Integridade, quando houver, para então, em edital anual do congresso, ser tornado público e orientar os interessados nesse patrocínio.
Essas regras são para regular as contrapartidas, como a oferta de espaço para divulgação durante o congresso, dos serviços, produtos, atividades, ações dos patrocinadores, não devendo extrapolar a realização do congresso indo além da realização do congresso. Permitir que os patrocinadores tenham acesso a informações que devem, por sua vez, estarem em acordo a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei n° 13.709, de 2019), poderá ser considerada como fora dos parâmetros do Estatuto Social, ainda mais havendo hoje lei específica a proteger dados pessoais e institucionais a que o Cosemssp está obrigado.
Nesse sentido, pessoas que se inscrevem em um congresso não podem ter seus dados divulgados a terceiros, exceto com a sua autorização prévia, bem como a sua imagem. Os dados institucionais de ente público são de acesso público pela internet e pela Lei de Acesso a Informação e assim podem ser do conhecimento de qualquer interessado, devendo ser considerada a conveniência de fornecê-lo de modo sistematizado, como deve haver no Cosemssp.
Outro aspecto que não tem a ver com o patrocínio do congresso é a permissão de divulgação de propaganda de empresas privadas nos espaços institucionais do Cosemssp, como em sua sede, em suas reuniões regimentais, seu site, seus e-mails, revistas, publicações, redes sociais, fato que pode configurar quebra do princípio constitucional da isonomia, que deve pautar as atividades do Cosemssp por ser ele, na forma da lei, representante dos municípios e suas secretarias de saúde, entes e órgãos que se pautam obrigatoriamente pelo princípio da igualdade. Nesse caso, não importa ser a entidade privada com ou sem fins lucrativos, porque o princípio da igualdade vincula o Cosemssp ao seu papel de representante institucional de ente público no âmbito do SUS no Estado de São Paulo, bem como em outras instâncias do SUS. Ainda que seu regime de direito privado, que decorre de sua personalidade jurídica privada, lhe garanta um regime jurídico-administrativo privado, a conduta de seus dirigentes deve se pautar pela ética pública dado o seu papel de representatividade de ente e órgão públicos.
Assim, o Cosemssp, de modo geral, não deve permitir que entidades privadas possam divulgar, com intuito ou não econômico, suas atividades, produtos, serviços, insumos, tecnologias, o que também se aplica os patrocinadores do congresso, com exceção da divulgação nos espaços adquiridos dentro do congresso, conforme regras prévias.
Em resumo, o Cosemssp pelas suas finalidades estatutárias e legais não pode atuar como entidade de propagação de produtos, serviços, insumos de entidades privadas, com ou sem fins lucrativos. Só poderá fazer divulgação daquilo que for considerado como de utilidade pública no interesse do SUS, em acordo a regras previamente definidas, em conformidade ao seu estatuto.
Lei n° 12.466, de 2011, que altera a Lei n° 8.080, de 1990, trata desse tema em seu artigo 14-B:
Art. 14-B. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) são reconhecidos como entidades representativas dos entes estaduais e municipais para tratar de matérias referentes à saúde e declarados de utilidade pública e de relevante função social, na forma do regulamento.
§ 1º O Conass e o Conasems receberão recursos do orçamento geral da União por meio do Fundo Nacional de Saúde, para auxiliar no custeio de suas despesas institucionais, podendo ainda celebrar convênios com a União.
§ 2º Os Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems) são reconhecidos como entidades que representam os entes municipais, no âmbito estadual, para tratar de matérias referentes à saúde, desde que vinculados institucionalmente ao Conasems, na forma que dispuserem seus estatutos.”
Seria importante ainda dizer que os Cosems vinculados ao Conasems podem receber recursos deste último para custear suas atividades, assim como os recursos advindos dos próprios municípios para o custeio de sua representatividade institucional. Os Cosems são entidades privadas, mas de interesse público, com finalidade pública, o que deve pautar a conduta ética de seus dirigentes. A sua natureza privada tem implicações com seu regime privado de atuação administrativa, contábil, jurídica, o que não lhe retira o seu caráter de atendimento ao interesse público.
Recomenda-se que o Cosemssp aprove seu Código de Ética, Conduta e Conformidade, caso não o tenha ainda, ou seja, as suas normas de compliance, o que sem dúvida facilitará a adoção de regras quanto à participação privada no financiamento de suas atividades congressuais e outras correlatas.
Estas são as considerações de ordem jurídica que o IDISA submete à consideração do COSEMSSP.
Campinas, 14 de agosto de 2024
Lenir Santos
Advogada sanitarista
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